#PLATAFORMANACOP27: Análise do acordo final

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Texto: Maria Beatriz Mello e Maria Clara Mendes

Coordenação: Beatriz Mattos e Maureen Santos

aprox. 9 min de leitura

A COP 27 chegou ao fim após um atraso de dois dias provocado pela dificuldade dos países chegarem a um consenso em temas-chave para o combate às mudanças climáticas, como a eliminação dos combustíveis fósseis e a criação do fundo para perdas e danos. O acordo, enfim, foi alcançado com o Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh. Porém, a conferência também é marcada por poucos progressos e muitas críticas à falta de avanços sobre medidas concretas para cumprir o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento da temperatura global a 1.5ºC. A Plataforma Socioambiental traz os principais acontecimentos da movimentada última semana da conferência, além de uma análise do documento final acordado entre os Estados parte da UNFCCC.


O Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh


A 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima chegou ao fim às 9h19 do domingo, 20 de novembro, no horário local de Sharm El-Sheikh. A sessão durou mais 39 horas além do término planejado, trazendo como resultado o Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh [1], o documento final da chamada “COP da implementação”. O texto possui dez páginas e é dividido em vários temas, como Ciência, energia, mitigação, adaptação, perdas e danos e finanças.


No entanto, a implementação mesmo deixou a desejar na COP 27. As divisões entre países ricos e pobres, ou desenvolvidos e em desenvolvimento, fizeram com que as negociações se alongassem para alcançar um acordo não muito substantivo em temas como mitigação das emissões de gases de efeito estufa e eliminação do uso de combustíveis fósseis (o principal responsável pelo aquecimento global). O texto do Plano de Sharm El-Sheikh também trouxe uma linguagem menos enfática na defesa da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta a 1.5ºC. Conseguimos sim um consenso histórico sobre a criação de um fundo de perdas e danos para os países mais vulneráveis às mudanças climáticas – o que é considerado a maior vitória da conferência –, mas a real implementação do mecanismo ficou para ser decidida na próxima COP.


Desse modo, a COP 27 não conseguiu trazer decisões concretas para atacar as causas da crise climática que vivemos, em um momento crucial para tentar reduzir os efeitos adversos da mudança do clima em nosso planeta. A seguir, destacamos os principais temas tratados na conferência e como estes foram mencionados no acordo final da COP 27.


Fundo de Perdas e Danos


O consenso alcançado sobre o fundo de perdas e danos é devido a muita pressão não só dos países em desenvolvimento, mas também dos movimentos da sociedade civil presentes na COP. Esse resultado foi histórico na temática de perdas e danos, sendo uma grande vitória sobretudo para os países mais vulneráveis.


Como um dos grandes pontos em disputa nas negociações sobre o fundo era a definição de quem teria direito aos recursos, o texto do Plano de Implementação foi bem específico, destacando os países ameaçados pela subida do nível do mar, pelo deslocamento forçado por desastres naturais e por efeitos diretos das mudanças climáticas. Assim, o Brasil não entra na lista de países que podem ser contemplados pelo fundo.


Outro ponto que tomou a discussão sobre o tema foi sobre quem irá financiar o fundo, qual será a fonte do dinheiro. Os países ricos são os que mais contribuíram para a crise climática e o pedido dos países em desenvolvimento era que o financiamento viesse dessas nações. Mas o texto também acata demandas dos Estados desenvolvidos – como União Europeia, do Canadá e dos Estados Unidos – e deixa em aberto uma opção de “ampliar as fontes de financiamento” do mecanismo, o que pode incluir que outros países (emergentes) participem como doadores, além da possibilidade de serem criados novos arranjos financeiros, como bancos multilaterais.


Contudo, o acordo ainda está longe de ser o ideal, ao passo que ainda tem muitos detalhes a serem definidos. A COP 27 garantiu apenas o estabelecimento da criação de um comitê de transição para elaborar recomendações e metas sobre o funcionamento e financiamento do fundo de perdas e danos. O objetivo é que, durante a COP28, o comitê apresente as suas recomendações para que o fundo já comece a funcionar em 2024.


Energia e Combustíveis Fósseis


A respeito dos combustíveis fósseis, o avanço no acordo final não foi o esperado. Apesar do texto do Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh abordar sobre a “redução gradual” do uso do carvão para energia, o “abandono gradual dos subsídios a combustíveis fósseis ineficientes” e “enfatiza a importância de melhorar matrizes energéticas limpas”, nenhum compromisso foi firmado para eliminar, de fato, o uso do carvão e o texto apresenta lacunas que possibilitam a legitimação do gás natural como energia de transição.


Dessa maneira, frustração pode ser considerada uma das palavras para definir o fim desta COP. Frans Timmermans, vice-presidente executivo da União Europeia, aponta que “o que temos diante de nós não é um passo à frente suficiente para as pessoas e o planeta, não traz esforços adicionais suficientes dos principais emissores para aumentar e acelerar seus cortes de emissões”. Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha, também comentou que “é mais do que frustrante ver as etapas atrasadas de mitigação e eliminação das energias fósseis sendo obstruídas por vários grandes emissores e produtores de petróleo” [2]. Como mencionamos na cobertura da 1ª semana da COP 27 [3], um levantamento da ONG Global Witness demonstrou um número recorde de delegados associados aos combustíveis fósseis, com 636 lobistas inscritos na conferência em Sharm El-Sheikh.


De acordo com o Observatório da Mineração [4], “a dependência da mineração e de combustíveis fósseis é a grande responsável por essa relutância em endereçar a crise climática com a gravidade que a situação (…) pede”. O recém estudo da Agência Internacional de Energia [5] alerta que se continuarmos com os mesmos números de emissões, o mundo será colocado além do limite de 1,5°C até o fim do século. Além disso, o diretor executivo da agência mencionou que mais de 95% do consumo mundial de carvão ocorre em países que se comprometeram em reduzir e, por conseguinte, acabar com suas emissões. Entretanto, essas mudanças precisam ser reais e para além da teoria.


O tempo está passando e os acordos continuam vagos. No caso de energia e combustíveis fósseis, por exemplo, vamos ter que esperar mais um ano para dar continuidade na definição de um texto mais claro, endereçado e com metas mais ambiciosas. Contudo, será que vamos alcançar ações mais fortes na COP28, a ser sediada nos Emirados Árabes Unidos, ricos, justamente, em petróleo?


Brasil na COP 27


Delegação oficial teve uma participação apagada…


A delegação oficial brasileira teve uma participação mais discreta na COP 27, até mesmo apagada, como reforçou o jornal Folha de S. Paulo [6]. O país agiu mais alinhado a grupos – como o G77+China e o ABU, com Argentina e Uruguai –, sem buscar protagonismo nas negociações.


Certamente a mudança de presidentes, com o novo governo Lula no ano que vem, é um dos motivos para essa postura mais discreta da diplomacia brasileira na conferência. Mas também é comentada a falta de liderança entre os representantes do Brasil, com pouca atuação do chefe da delegação, o ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite [7]. O ministro fez o seu primeiro discurso na COP já na segunda semana do evento (na terça-feira, dia 15 de novembro), o que Daniela Chiaretti comentou para o jornal O Globo como um “discurso agressivo e atrapalhado” [8], atacando filântropos e organizações não governamentais, além das políticas ambientais dos governos Lula e Dilma – período em que o Brasil teve o menor desmatamento da Floresta Amazônica. Todavia, o veículo ((o))eco destaca que a fala de Joaquim Leite não teve repercussão expressiva no ambiente da conferência, nem mesmo entre a própria delegação brasileira [9].
Talvez a situação que mais represente o interesse – ou melhor, a falta de interesse – do governo Bolsonaro na COP 27 é o ministro Joaquim Leite ter passado a manhã da sexta-feira (18) em um passeio turístico nos corais do Mar Vermelho de Sharm El-Sheikh, enquanto os delegados de 198 Partes da Convenção de Clima negociavam o acordo final da conferência [10]. O ministro ainda deixou a cidade na sexta à noite, antes do encerramento da COP no domingo.

Pavilhão oficial do Brasil na COP 27. Foto: Carolina Oliveira/Poder 360


… Mas a paradiplomacia dos estados esteve presente


Diante da inação do governo federal na COP 27, quem trabalhou na busca por verbas e novas parcerias internacionais foram os estados, em especial pelo Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, como assinalou o jornal Estadão [11]. Essa atuação internacional de entidades subnacionais, como estados e municípios, é conhecida como paradiplomacia. O destaque da paradiplomacia dos estados brasileiros foi principalmente devido ao pavilhão montado pelos governadores da região amazônica, um dos eventos paralelos dessa sessão Conferência das Partes.


A COP 27 foi a primeira em que os governadores do Consórcio (formado pelos estados Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) construíram um espaço oficial de eventos para debates e parcerias. Por lá, passaram não só os governadores da Amazônia Legal e representantes de outras nações, mas também o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro dia na conferência – lá Lula recebeu a Carta da Amazônia, um compromisso dos nove governadores da Amazônia para o desenvolvimento sustentável na região. O Estadão destaca que o pavilhão foi um espaço concorrido, buscado mais que o estande oficial do Brasil, da gestão Jair Bolsonaro.

Pavilhão do Consórcio de governadores da Amazônia Legal na COP 27. Foto: Carolina Oliveira/Poder 360


Lula na COP27 e o seu significado para a política externa


Já a participação do recém eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta Conferência das Partes trouxe esperanças para uma nova etapa da política externa brasileira. Na segunda semana do evento, mais precisamente no dia 16 de novembro, Lula discursou na COP27, (re)colocando o Brasil nas discussões globais e na liderança ambiental e climática. Em seu pronunciamento [12], ele abordou pontos importantes dentro do território brasileiro, mas também tratou de assuntos que envolvem a comunidade internacional.

Em um primeiro momento, abordou a importância de combater o desmatamento e garantiu o seu compromisso nessa ação, assim como fez em outros tempos de governo. Além disso, tratou do agronegócio brasileiro como um aliado estratégico na busca pelo desenvolvimento sustentável e pela agricultura regenerativa. Pontuou também que o país possui 30 milhões de hectares de terras degradadas que podem ser utilizadas para a produção de alimentos, sem que seja necessário desmatar mais.


Em seguida, Lula ressaltou a necessidade de incluir mais países no Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como de acabar com o direito ao veto, pontuando que os moldes das instituições não podem permanecer na mesma configuração da Segunda Guerra Mundial. Além disso, o presidente reconheceu que os efeitos das mudanças climáticas recaem de maneiras diferentes entre os países, entendendo que os mais vulneráveis são os mais pobres e, por isso, mecanismos de cooperação e financiamento precisam ser desenvolvidos. Por fim, ao relembrar a promessa realizada pelos países desenvolvidos de doar US$ 100 bilhões para ajudar os países em desenvolvimento, apontou que quando o Brasil presidir o G20 em 2024, colocará a agenda climática e ambiental como prioritária.


Luiz Inácio também marcou presença no Fórum Internacional dos Povos Indígenas e em encontro com a sociedade civil brasileira no Brazil Climate Action Hub, a fim de escutar as demandas da sociedade, bem como debater possíveis caminhos conjuntos. Além disso, ele realizou reuniões com representantes internacionais, como o secretário-geral da ONU, António Guterres, o ministro do Clima da Noruega, Espen Barth Eide e a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock.

Lula em encontro com movimentos sociais e organizações da sociedade civil na COP27. Foto: Ricardo Stuckert


Como podemos resumir a COP 27?


A sensação mais forte é de frustração com os resultados da 27ª Conferência das Partes, um evento marcado pela presença de mais de 600 lobistas e representantes dos combustíveis fósseis, mas com pouca abertura para defensores da terra e membros de movimentos sociais. O Carbon Brief [13] relatou que essa foi “a pior COP de todos os tempos” para a sociedade civil global.


Mas mesmo com todos os riscos de segurança, vigilância e cerceamento da liberdade de expressão no Egito, a COP 27 contou com uma participação muito ativa da sociedade civil, dentro e fora dos pavilhões. Até o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, reconheceu a influência dos ativistas no evento, afirmando que eles “mantiveram a agenda em andamento nos dias mais sombrios” [14], pressionando os líderes mundiais para que aumentassem as suas ambições climáticas e chegassem a acordos importantes, como o próprio fundo de perdas e danos que mencionamos anteriormente. Ou seja, sem a pressão dos ativistas e movimentos sociais, o legado da conferência seria ainda menor.


Dessa forma, a nossa decepção com os resultados da COP 27 não deve paralisar a nossa demanda para que os países mantenham seus esforços para cumprir as metas do Acordo de Paris e aumentem as suas ambições climáticas para combater o aquecimento global.


Notas e Referências:
[1] “Sharm El-Sheikh Implementation Plan”, disponível em: https://unfccc.int/sites/default/files/resource/cop27_auv_2_cover%20decision.pdf
[2]https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/11/5053111-cop-27-chega-a-acordo-sobre-fundo-para-paises-com-impactos-climaticos.html
[3]http://www.iri.puc-rio.br/blog/plataformanacop27-cobertura-da-1a-semana/
[4]https://observatoriodamineracao.com.br/cop-27-termina-sem-garantir-o-abandono-do-carvao-e-reforca-dependencia-de-combustiveis-fosseis/
[5]https://epbr.com.br/mais-de-95-do-consumo-mundial-de-carvao-ocorre-em-paises-com-compromissos-net-zero-mostra-relatorio/
[6]https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/11/brasil-na-cop27-foi-marcado-por-lula-e-acordos-de-florestas-assinados-e-ignorados.shtml
[7] Como Jair Bolsonaro não foi para Sharm El-Sheikh acompanhar as negociações do clima – aliás, durante a sua presidência, Bolsonaro não esteve presente em nenhuma das três conferências climáticas que ocorreram –, o ministro Joaquim Leite foi o representante do seu governo no evento.
[8]https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/11/na-cop27-ministro-de-bolsonaro-ataca-filantropos-e-cobra-financiamento-para-setor-privado.ghtml
[9]https://oeco.org.br/noticias/joaquim-leite-usa-seu-primeiro-discurso-na-cop-27-para-atacar-governo-lula/
[10]https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2022/11/ministro-do-meio-ambiente-de-bolsonaro-troca-negociacoes-da-cop-27-por-turismo-no-mar-vermelho.ghtml
[11]https://www.estadao.com.br/sustentabilidade/cop-27-com-vacuo-no-governo-federal-estados-vao-atras-de-parcerias-e-verbas-estrangeiras/
[12] Discurso de Lula na COP27 no Egito, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mtI0QxA4lKE
[13]https://www.carbonbrief.org/cop27-key-outcomes-agreed-at-the-un-climate-talks-in-sharm-el-sheikh/
[14]https://news.un.org/en/story/2022/11/1130832