Texto: Maria Beatriz Mello e Maria Clara Mendes
Coordenação: Beatriz Mattos e Maureen Santos
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Estamos chegando ao fim da primeira semana da 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – mais conhecida como COP 27 da UNFCCC. Nós da Plataforma Socioambiental trazemos o contexto da COP 27 e separamos os principais acontecimentos dessa semana no evento.
A COP DA IMPLEMENTAÇÃO
As Conferência das Partes, ou simplesmente COPs, são encontros anuais em que 198 Partes (197 países + União Europeia) se reúnem para debater soluções para o problema das mudanças climáticas. A COP é o órgão supremo de tomada de decisão da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e, neste ano, sua edição acontece em Sharm el-Sheikh, no Egito, do dia 6 ao 19 de novembro.
Apresentada como a “COP da implementação” [1] pela presidência egípcia, esta edição é palco de uma grande negociação sobre a implementação do último tratado internacional de mudança do clima, o Acordo de Paris. No ano passado, durante a COP 26 em Glasgow, no Reino Unido, o “livro de regras” de Paris foi concluído após seis anos de discussões. Esse livro de regras lista em detalhes os procedimentos, orientações, cronogramas e regras de funcionamento básicas para cumprir o objetivo do Acordo de limitar o aquecimento da temperatura global de 1.5ºC ao máximo de 2ºC até 2100, tanto por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês) de cada país, quanto pelos instrumentos de mercado e as abordagens não-mercadológicas de cooperação internacional. Desse modo, com as “regras de funcionamento” do Acordo de Paris já finalizadas, agora resta “apenas” que as nações entrem em um consenso sobre como implementá-las.
TAMBÉM É A COP AFRICANA
Além disso, a COP27 também é chamada de a “COP africana” [2], pela oportunidade deste evento ser um grande momento para que a África amplie a sua voz nas negociações climáticas e consiga avançar as suas prioridades comuns na agenda global sobre o clima, já que um país africano está sediando e presidindo o evento.
Embora o continente tenha contribuído muito pouco para a atual crise climática, menos de 4% das emissões históricas de gases de efeito estufa (GEE), esta é a região mais vulnerável às mudanças do clima, devido aos múltiplos estresses e à alta exposição aos efeitos adversos do aquecimento global que o continente sofre [3]. A situação se torna ainda mais complicada pela baixa capacidade de adaptação dos países do continente às alterações climáticas, devido ao baixo desenvolvimento socioeconômico e a falta de financiamento climático na região – financiamento este de US$ 100 bilhões por ano para ajudar os países mais pobres e vulneráveis para adaptação às mudanças do clima, promessa feita em 2009 pelas nações ricas e que até hoje nem começou a ser cumprida [4].
Logo, há uma grande expectativa em relação aos resultados da conferência, especialmente para o continente africano, de que se chegue a alguma decisão construtiva sobre o financiamento à adaptação climática. Não somente isso, mas há um desejo por parte de diversos governantes e ativistas de que se alcance um consenso sobre o financiamento de “perdas e danos” das mudanças climáticas, isto é, os impactos da mudança do clima que nem são possíveis de se adaptar [5].
RECORDE DE PARTICIPANTES NA COP27
Com tantas esperanças sobre a “COP africana da implementação”, a COP 27 pode ser a segunda maior cúpula da história das conferências climáticas em questão de número de participantes. Segundo análise do site Carbon Brief [6], de acordo com a lista provisória divulgada pela UNFCCC, mais de 33 mil delegados se inscreveram para a COP 27, com um número recorde de representantes de nações africanas, bem como de países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares.
Da mesma forma, o número de observadores não-governamentais é provisoriamente o segundo maior na história da COP. Nesta categoria, estão incluídos representantes tanto de movimentos sociais e organizações ambientais, quanto membros de grupos e confederações da indústria e da agricultura, passando por pesquisadores da academia e outros centros de pesquisa. Ademais, um levantamento inédito do Global Witness, noticiado pela BBC [7], demonstra que o número de delegados ligados a indústrias e corporações de combustíveis fósseis (como petróleo e gás natural) é de 636 pessoas inscritas, um número maior do que as delegações combinadas dos 10 países mais afetados pelos efeitos adversos da mudança do clima. Isso representa um aumento em 25% em relação à conferência do ano passado, a COP 26. Esses lobistas dos combustíveis fósseis também estão presentes nas delegações oficiais de 30 países, incluindo Emirados Árabes Unidos (com 70), Rússia (com 33) e Canadá (com 8).
Entretanto, a lista final de participantes da conferência não será publicada até que a COP 27 tenha terminado. As principais críticas ao evento e ao país-sede são a respeito dos preços inflacionados das hospedagens em Sharm El-Sheikh, a dificuldade para conseguir credenciamento para participar do evento, os atrasos injustificados na concessão de vistos por parte do Egito e, principalmente, o estado de vigilância e censura aos jornalistas e ativistas no país. Tudo isso pode afetar a quantidade de participantes que realmente puderam comparecer à COP 27.
BARREIRAS PARA A SOCIEDADE CIVIL
Mesmo com o potencial desta ser a sessão com o maior número de participantes não-governamentais em todas as 27 edições das Conferências das Partes sobre clima, a sociedade civil passa por diversas restrições para participar da COP do Egito. O regime do General Sisi é conhecido pelo cerceamento da liberdade de expressão de jornalistas e movimentos sociais: as manifestações públicas são proibidas no país e os dissidentes políticos sofrem com repressão e vigilância por parte do Estado.
Mais de 600 sites são bloqueados no Egito e a conexão de internet na COP 27 também bloqueia o acesso a esses canais [8]. Os principais alvos de censura são as agências de notícias e os sites de defesa aos direitos humanos, como o jornal Al Jazeera, a única agência de notícias independente do Egito, o Mada Masr. Nesta semana, pela primeira vez em anos, o país desbloqueou o acesso ao site da organização global de direitos humanos Human Rights Watch.
Além disso, existe um forte temor sobre a vigilância dos delegados e ativistas presentes no evento: especialistas em segurança cibernética estão alertando que o aplicativo oficial da COP 27 requer permissões abrangentes dos usuários antes de ser instalado, incluindo a capacidade do Ministério de Comunicações e Tecnologia da Informação do Egito de visualizar e-mails, vasculhar fotos e determinar a localização dos usuários, de acordo com um especialista que analisou o app para o jornal britânico The Guardian [9]. Esses dados podem ser usados pelo regime egípcio para reprimir ainda mais o ativismo no país que já possui cerca de 65 mil presos políticos, como o ativista Alaa Abd el-Fattah, que está sendo muito mencionado durante a COP 27, inclusive pela entrevista coletiva que os seus familiares deram no evento.
Apesar de todas essas barreiras para a participação e a liberdade de expressão da sociedade civil egípcia e global, e os perigos da vigilância do governo repressor do Egito, ao longo desta primeira semana da COP 27, diariamente ocorreram vários protestos – especialmente na frente da entrada da Zona Azul, o espaço das negociações oficiais da conferência. Essa entrada foi palco de manifestações pedindo por justiça racial, climática e ambiental, bem como pela garantia dos direitos humanos, pelo fim do financiamento de combustíveis fósseis e pela reparação aos países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
E O BRASIL?
No caso brasileiro, a representação na COP 27 está sendo realizada em três espaços diferentes: um do governo federal, outro da sociedade civil organizada e o terceiro dos governos dos estados da Amazônia. Isto acontece porque desde o início do governo de Jair Bolsonaro, organizações não-governamentais, movimentos sociais e comunidades indígenas não fazem mais parte da lista da delegação do Itamaraty. Em resposta e para não serem excluídos dos processos de governança e negociação global ambiental, os demais estandes foram organizados.
O estande do governo brasileiro tem como principal objetivo apresentar “todo o seu potencial verde ao mundo” [10] e conta com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) [11]. Todavia, o presidente Jair Bolsonaro não irá aparecer em Sharm El-Sheikh.
O Consórcio de Governadores da Amazônia Legal também estará presente na COP 27 e busca apresentar o território como uma oportunidade e solução. Como dito pelo governador do Pará, Helder Barbalho, à CNN [12], “É fundamental que nós possamos mostrar ao mundo que a Amazônia é uma grande oportunidade. O Brasil precisa ser protagonista dessa agenda. Nós precisamos recuperar a nossa credibilidade e demonstrar que o Brasil quer dialogar com os demais países”.
A convite de Helder Barbalho, e também do presidente do Egito, o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva também irá participar da conferência na próxima semana. Espera-se que ele aproveita a ocasião para anunciar a criação do cargo da Autoridade Nacional do Clima, proposta apresentada por Marina Silva quando declarou apoio à candidatura de Lula agora em 2022. Marina Silva já chegou na COP 27, nesta quinta-feira (10), e já se reuniu com a vice-presidenta da Colômbia, Francia Márquez, e com John Kerry, o enviado especial para o Clima do governo dos Estados Unidos.
Já o Brazil Climate Action Hub, espaço da sociedade civil organizada, busca dar visibilidade às vozes de movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como dialogar com outros países do Sul Global, discutindo a capacidade do Brasil em liderar a transição climática justa [13].
Brasil Climate Action Hub, o espaço da sociedade civil brasileira na COP27. Foto: Mídia Ninja, 2022.
EVENTO DA PLATAFORMA SOCIOAMBIENTAL NA COP 27
Nesta quinta-feira (11), o estande do Brazil Climate Action Hub foi aberto pelo painel “Ambição Climática dos Países dos BRICS”, organizado pela Plataforma Socioambiental. Nele, contamos com a fala de Maureen Santos (coordenadora da Plataforma Socioambiental e da FASE), Romy Chevallier (pesquisadora sênior no South African Institute of International Affairs) e Utkarsh Patel (fellow no Center for Social and Economic Progress), além da mediação de Alice Amorim (Coordenadora do Projeto Filantropia para o Clima).
Painel “Ambições Climáticas dos Países dos BRICS”, no Brazil Climate Action Hub. Foto: Arquivo Pessoal, 2022.
O debate teve como principal objetivo refletir sobre o papel, posicionamento e desafios dos BRICS na atual conjuntura de governança global do clima e retomada econômica pós-pandemia. Além disso, foi apresentada a prévia do estudo a ser lançado em breve pela Plataforma Socioambiental, em parceria com o CPDA/UFRRJ. A gravação do evento está disponível em português e inglês.
CALENDÁRIO COP27
Fonte: Brazil Climate Action Hub, 2022.
Desde domingo (6), diferentes lideranças governamentais e da sociedade civil se encontram nos pavilhões da COP para debater sobre temáticas relacionadas ao clima: mitigação, adaptação, justiça climática, perdas e danos, financiamento climático, entre outros. Muito ainda está por vir e a Plataforma Socioambiental está fazendo a cobertura completa pelas redes sociais!
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Notas e Referências
[2]https://www.dw.com/en/is-the-cop27-in-egypt-a-conference-in-africa-for-africa/a-63671746
[3] Trisos, C.H. et al. 2022: Africa. In: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [H.-O. Pörtner, D.C. Roberts, M. Tignor, E.S. Poloczanska, K. Mintenbeck, A. Alegría, M. Craig, S. Langsdorf, S. Löschke, V. Möller, A. Okem, B. Rama (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, UK and New York, NY, USA, 2022. p. 1285–1455. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/downloads/report/IPCC_AR6_WGII_Chapter09.pdf
[4] https://www.nature.com/articles/d41586-021-02846-3
[5] Entrevistamos Cíntya Feitosa, do Instituto Clima e Sociedade, sobre perdas e danos das mudanças climáticas e outros temas no 14º episódio do Meio Descomplicado, o podcast da Plataforma Socioambiental do BRICS Policy Center: https://anchor.fm/meiodescomplicado/episodes/Episdio-14—Pr-COP-27-O-que-aconteceu-na-conferncia-de-Bonn-e1lopni/a-a8ab5c2. A transcrição do episódio também está disponível no nosso 46º Radar Socioambiental: https://bricspolicycenter.org/publicacoes/pre-cop-27-o-que-aconteceu-na-conferencia-de-bonn/
[6]https://www.carbonbrief.org/analysis-which-countries-have-sent-the-most-delegates-to-cop27/
[7]https://www.bbc.com/news/science-environment-63571610
[9]https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/06/egypt-cop27-climate-surveillance-cybersecurity
[12]https://www.cnnbrasil.com.br/politica/mostraremos-que-amazonia-e-oportunidade-diz-governador-do-para-sobre-cop27/[13] https://www.brazilclimatehub.org