Ernesto Samper proferiu o discurso de abertura da GSUM

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ex-presidente da República da Colômbia e atual Secretário Geral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), sr. Ernesto Samper, proferiu o discurso de abertura da Escola de Inverno GSUM, que ocorreu no dia 12 de julho de 2016, na PUC-Rio.  

(Assista o vídeo na íntegra ou ouça o áudio completo)

O Secretário Geral iniciou o discurso falando sobre o nascimento da UNASUL no início do século XXI. Segundo ele, a instituição nasceu com 3 propósitos: superar o modelo neoliberal, que obrigou a região a retroceder na luta contra a pobreza que tanto assola a região; assegurar a continuidade da democracia na região, como resposta à história regional de governos militares e autocráticos, e a perda de direitos que eles significaram; criar um conceito de integração regional que fosse além de um fórum de governos e pudesse de certa maneira refletir o conceito de nação, sendo uma sociedade que compartilha de certos valores, história e idiomas que são próximos. Em relação ao último ponto abordado, Samper compara o processo de integração sul-americana com o europeu, que nunca chegou a ser uma nação, enquanto que aqui se tem uma nação em vias de integração.

Esses elementos, segundo o Secretário Geral, são essenciais para entender as lutas da UNASUL: a preservação do projeto democrático, o conceito de direitos humanos para defender o tema da inclusão, e o conceito de paz. A UNASUL, segundo Samper, defende o conceito de paz hemisférica, tendo declarado a região uma zona de paz no mundo. Ele então chama a atenção para o fato de que o mundo tem hoje mais conflitos que no passado recente, enquanto a América do Sul se mantém pacífica. Para ele, essa discrepância é resultado de alguns fatos: a não existência de conflitos étnicos, segundo ele, devido ao modelo de conquista utilizado na colonização da região, que levou as etnias a amalgamarem-se e tornarem-se apenas uma raça comum sul-americana (reconhecendo todos os problemas que isso implicou); a ausência de guerras religiosas, em razão do sincretismo religioso promovido pelos jesuítas na época de colonização, que “unificaram” os valores religiosos da região; e por último, ele afirma que na região os movimentos sociais tiveram força o suficiente para se fazerem ouvidos e consequentemente aliviar a pressão da luta de classes. 

O Secretário Geral então afirmou que a UNASUL busca preservar esses valores atuando, por vezes, como um cirurgião onde há ameaças de golpes militares ou pacíficos, com o fim de evitar a ruptura democrática. Ele complementa afirmando que a organização também trabalha no sentido de evitar conflitos interestatais através do Conselho de Defesa Sul-americano, que é um órgão dedicado a construir hipóteses de confiança, como por exemplo, a soma de esforços para combater inimigos comuns como o narcotráfico e o terrorismo. 

Samper afirmou também que é necessário evitar o conflito, e isso se faz investindo em igualdade social. Um dos grandes desafios identificados por ele para a região sul-americana é evitar que os cidadãos que saíram da pobreza retornem à sua condição por conta da crise econômica e planos de ajuste fiscal mal elaborados. Essa volta à pobreza cria, segundo o Secretário Geral, uma instabilidade social preocupante.

O palestrante ressaltou a importância do processo de paz do conflito na Colômbia, que já dura 50 anos e teve altos custos, para toda a região sul-americana. Ele afirma que esse processo é diferente dos anteriores, pois a guerrilha colombiana e o governo se deram conta de que estão em um impasse, sem possibilidade de ganhar ou perder militarmente o conflito. Além disso, segundo Samper, houve uma agenda concreta acordada antes da negociação formal e pública, tendo produzidos 5 (cinco) pontos que deveriam ser discutidos nas negociações formais. (1)a questão da concentração fundiária; (2) o dos cultivos ilícitos; (3) a participação política, com mais garantias à oposição; (4) vítimas devem saber a verdade do que houve com elas ou seus familiares, para que a verdade ajude a reparar os danos causados pelos anos de conflito; (5) o tema da desmobilização, a forma como os guerrilheiros se reintegrarão à sociedade, de maneira que possa reconciliar as partes do conflito. De acordo com ele, igualmente importante ao fim do conflito armado é o pós-conflito. Com isto, é necessário que a sociedade aprenda a acertar suas diferenças com base na razão e não nas armas. Para tanto, Samper afirma que é necessário reconstruir três tecidos: o social, com o tema das vítimas; o tecido econômico, o que a guerra custou em dinheiro e vidas; e o tecido institucional, que é rompido pela ausência do Estado, ou presença somente militar dele, onde as FARC mantinham controle. Samper também ressalta a importância da paz na Colômbia para a região como um todo, citando como o conflito teve efeitos no Brasil, Venezuela e outros. Por isso, esses países também teriam direito de aproveitar da paz. 

O ex-presidente colombiano ressaltou as lições do conflito e processo de paz em seu país para o curso de formação de mediadores: primeiro, a demora demasiada para entender que a solução para o conflito era política; segundo, entender que a democracia tem um poder curativo e pode contribuir mais para a solução do conflito que armar ainda mais esse conflito; terceiro, Samper admite que os colombianos também demoraram a entender que enquanto um conflito termina, é necessário fazer esforços para a humanização do conflito. Samper diz que essas lições levaram-no a entender a importância de um arranjo político regular, e que sempre há uma saída política pacífica para um conflito.

O palestrante também falou da situação da Venezuela, na qual ele a polarização entre os setores da sociedade o mais grave problema. Segundo Samper, a UNASUL foi chamada para realizar o monitoramento das na Venezuela pois havia a suspeita de que elas seriam fraudadas e que isso geraria violência. A missão foi enviada e a oposição ganhou a maioria nas eleições parlamentares do país, movendo a disputa política das ruas para o parlamento e cenário político. A disputa, segundo ele, continua, mas a UNASUL insiste em que as partes se ponham de acordo para que desarmem os espíritos e palavras para encontrar uma saída comum para a situação. Segundo o ex-presidente, o mais importante em mediação é encontrar as regras para as partes, que surgem sempre do diálogo. As partes devem, portanto, entender uma a outra como importantes e legítimas, para que assim um diálogo se construa. O diálogo,  ele define, “é um processo dinâmico de interlocução em que se há que ceder para receber”.

Samper então criticou o processo de paz de Havana ao afirmar que a sociedade civil não se sentiria suficientemente representada nele. O problema, segundo dele, é que os colombianos querem receber a paz, porém não querem ceder nada às FARC. Para fazer entender aos colombianos que a paz não virá sem que o governo ceda, é necessário um processo de conscientização da população, segundo ele. Samper afirmou ainda que é necessário mover-se de posições dogmáticas com o fim de encontrar um equilíbrio entre os interesses das partes em conflito.

Concluindo seu discurso, o Secretário Geral afirmou que a má fase da economia influenciou na política da região, traduzindo-se em grandes desafios. No entanto, ele completa que é importante que os valores  da democracia, paz e dos direitos humanos sejam mantidos.

Além do ex-presidente da Colômbia, participaram da abertura da Escola de Inverno do GSUM a Embaixadora da Noruega no Brasil, sra. Aud Marit Wiig, e também o Magnífico Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Prof. Pe. Josafá Carlos de Siqueira.

Organizada pela Unidade do Sul Global para Mediação (GSUM), a Escola de Inverno é um programa acadêmico e de treinamento intensivo sobre mediação internacional com duração de duas semanas, que ocorre na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. A Escola oferece, no máximo, 24 vagas por semana para estudantes que buscam ter uma experiência intensiva e substantiva de aprendizado e treinamento na teoria e na prática da mediação internacional, com foco particular em questões relativas ao Sul Global.

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