Seminário discute a questão das drogas e da violência na América Latina

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O Seminário “Drogas e Violência na América Latina: as alternativas no limite, os limites das alternativas”, organizado pelo IRI/PUC-Rio em parceria com CESeCUFBACAPES e CNPq, foi pensado a partir de duas preocupações centrais. A primeira, consiste em deslocar a autoridade discursiva no debate sobre os efeitos da política de droga e sobre os limites de iniciativas ditas alternativas tendo em vista que a discussão desse tema tem sido insulado em círculos tecnocráticos, deixando de contemplar movimentos sociais que buscam, há décadas, expor problemas constitutivos das políticas para as drogas. A segunda preocupação é de incorporar o racismo como fator central para compreendermos porque é tão difícil mudar a abordagem predominante sobre a política de drogas. Desse modo, o evento visa estimular uma presença mais sistemática do racismo no debate sobre drogas afim de que essa disposição passe a povoar outros espaços e dinâmicas da universidade.

 O Seminário aponta para a necessidade de um movimento crítico e auto reflexivo por parte da academia, da sociedade e das instituições no sentido de pensar, justamente o racismo que vem sendo reproduzido por meio da guerra às drogas e sua lógica punitiva e proibicionista.

As discussões feitas no evento estão, portanto, em sintonia com as pesquisas hoje desenvolvidas no Instituto de Relações Internacionais PUC-Rio, que pensa em questões locais, nacionais e internacionais a partir de um ponto de vista interseccional. 

Assista os vídeos do Seminário aqui.

Abertura:

A abertura do evento contou com a participação do coletivo Movimentos com um “Ataque Poético” seguido de um discussão com contribuições de jovens de diferentes favelas do Rio de Janeiro, que constituem esse coletivo, disputando  narrativas e contando suas histórias.  Eles enfatizaram que o racismo deve ser o eixo central em um debate sobre política de drogas já que a guerra às drogas tem um impacto direto sobre a realidade da população negra e pobre do país. Com isso, o Movimentos mostrou a importância de trazer o debate de política de drogas para as favelas e, além disso, salientou o papel das mesmas como produtoras de conhecimento, especialistas e intelectuais, quebrando o estigma de que os moradores de favela só falam a partir de sua experiência e vivência.

Painel 1: O que o proibicionismo mata? Extermínio de vidas e culturas na “guerra às drogas”

Moderada pelo professor Victor Coutinho Lage (IHAC/UFBA) a mesa contou com a presença de Sandra Lucia Goulart (Faculdade Cásper Líbero), Fransérgio Goulart (Para que e para quem servem as pesquisas nas favelas), Manuela Trindade (IRI/PUC-Rio), Maïra Gabriel (Redes da Maré). A professora Sandra Goulart, em sua fala, apresenta seu estudo de caso sobre as religiões Ayahuasqueiras brasileiras, que se caracterizam pelo uso de uma bebida psicoativa, afim de mostrar que o uso de drogas não pode ser reduzido a explicações meramente farmacológicas já que há muitos fatores sociais e culturais em questão. Com isso, a professora mostrou a importância de uma relação simétrica entre usuários de drogas e o Estado que as regula, afim de romper com as vantagens espistemológicas do discurso dominante. A professora Manuela Trindade trouxe importantes contribuições sobre a guerra às drogas na Colômbia e os efeitos e contornos das políticas de segurança utilizadas no processo. Além disso, Manuela explorou as políticas de desenvolvimento que tem o campesino colombiano como centro de gravidade. Fransérgio Goulart, por sua vez, colocou em pauta uma descolonização da universidade, afim de transforma-la no que ele vai chamar de plurivesidades indisciplinares populares. Fransérgio também questionou a forma como a epistemologia branca debate a legalização das drogas já que, muitas vezes não se pensa no fim do genocídio da população negra e periférica afetada pelo proibicionismo e, dessa forma, Goulart colocou como essencial pensar em racismo e reparação quando se fala em política de drogas. Maïra Gabriel, em sua fala, mostrou que o proibicionismo e o racismo matam corpos negros e pobres a partir de um vídeo que apresenta relatos da trajetória das vítimas da guerra às drogas. Com isso, Maïra deu voz para os próprios usuários de drogas visando pensar alternativas para as cenas de uso de crack na Maré e na Avenida Brasil e, com isso, mostrando que um território como esse vai além do consumo de drogas na medida em que também é um espaço de arranjos afetivos, regras de convivências, entre outras coisas.

Painel 2: “Nem toda lei é justa”: direito, racismo e gênero:

Mediada pelo professor Victor Coutinho Lage (IHAC/UFBA), a mesa contou com a contribuição de Dudu Ribeiro (INNPD), Aline Passos (FASE) e (UFS) e Orlando Zaccone (Delegado de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro). Dudu Ribeiro, em sua fala, trouxe uma perspectiva historiográfica sobre a construção dos mecanismos de controle da população negra, que foram criados no século XIX pós abolição. Segundo o palestrante, nessa época era fundamental construir mecanismos de manutenção das hierarquias sócio-raciais construídas durante o período da escravidão e, o proibicionismo foi uma das formas encontradas. Para realizar sua fala, Dudu Ribeiro apresentou importantes contribuições de diferentes autores negros que, muitas vezes são silenciados pelo processo de epistemicídio. Aline passos, por sua vez, questionou a cultura punitivista em que vivemos, afirmando ser uma armadilha que causa inúmeros efeitos negativos para a sociedade. A professora afirma que a justiça criminal não pode ser não pode ser a única solução para a violência contra a mulher e sexual, tendo em vista que não há resposta para as consequências das demandas desse sistema. O Delegado Orlando Zaccone falou sobre o caráter injusto das leis, já que, elas são necessariamente genéricas ao mesmo tempo que estão em um ambiente social de desigualdade. O proibicionismo, segundo Zaccone, seria mais uma dessas leis injustas desde sua distinção arbitrária entre drogas lícitas e ilícitas assim como de usuário e traficante. Nesse sentido, o Delegado defendeu a legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas como a única alternativa política para enfrentar a matança e o encarceramento em massa causado pelo proibicionismo.

Painel 3: As drogas como um “problema do sul global”: silêncios e efeitos da guerra às drogas

Moderada por Ana Clara Telles (CESeC) e (IRI/PUC-Rio), o painel contou com a presença de Dawn Paley (Universidad Autónoma de Pueblo), Thiago Rodrigues (INEST-UFF), Juliana Borges (FESP/SP) e Raul Santiago (Coletivo Papo Reto). Juliana Borges, em sua fala, apresentou a forte relação existente entre a guerra às drogas e o genocídio da população negra. Segundo a pesquisadora, a guerra às drogas é apenas mais uma das narrativas utilizadas para dar sustentação à violência e violação de territórios e da condição de humanidade das pessoas que convivem nos ambientes de conflitos: negras e periféricas. Raul Santiago apresentou a política de reparação como fator essencial na hora de discutir legalização de drogas. Segundo Santiago, é preciso informar, trazer conhecimento e reflexão para os grupos impactados pela legalização, de forma que eles possam disputar espaços e não serem excluídos durante e após o processo. Dawn Paley, por sua vez, falou sobre as interseções entre o capitalismo e a guerra às drogas. Para isso, Paley trouxe seu estudo de caso sobre o Plano Colômbia, que, segundo a autora, passa uma ideia de estar combatendo as drogas mas, na verdade, é apenas mais uma forma de facilitar a entrada de capital e beneficiar as elites. Thiago Rodrigues falou sobre o silêncio do sul global a respeito de categorias analíticas teórico metodológicas para pensar a política de drogas dentro das RI. Segundo Thiago, há uma certa colonização mental que faz com que o sul global tenha a tendência de copiar modelos do norte global ao invés de pensar através de suas próprias perspectivas.

Painel 4: Mesa Redonda: As alternativas no limite, os limites das alternativas

A partir da provocação de Ana Clara Telles (CESeC e IRI/PUC-Rio), Luciana Boiteux (UFRJ), Ingrid Farias (RENFA), Maria Angélica Comis (Ex acessora de Política sobre drogas da Secretaria de Direitos Humanos de São Paulo) e Thiago Matiolli (Instituto Raízes em Movimento) colocaram em pauta as possíveis alternativas para lidar com a questão das drogas no Brasil. Luciana Boiteux apontou para a importância de provocar reflexões que mobilizem a impactem a opinião pública e a institucionalidade, deixando de tratar o tema das drogas como um tabu. Para isso, segundo sua fala, seria preciso compreender os interesses e os mecanismos que estão por trás da criminalização das drogas. Ingrid Guimarães enfatizou que, debater alternativas dentro da política de drogas é também pensar na reparação para todos aqueles que são atingidos pela guerra às drogas. Ingrid também falou sobre a importância da Marcha da Maconha como um espaço de resistência já que, a partir de um dado momento, ela passou a ser tomada pelos denominados “perturbadores” da sociedade, fazendo com que o campo anti-proibicionista também se tornasse instrumento para diminuir o genocídio das populações negras e periféricas. Maria Angélica trouxe suas experiências em alternativas à política de drogas, tanto na esfera do poder público, no programa De Braços Abertos, quanto da sociedade civil, no Centro de Convivência É de Lei. Com isso, ela falou sobre a importância das estratégias de redução de danos e de enxergar os indivíduos usuários de drogas, trazendo a questão de sua dignidade e moradia. Thiago Matiolli, a partir de uma perspectiva histórica, fala do processo de construção social e a problematização das favelas na cidade que sempre se deu a partir da criminalização desses territórios, o que gera um excessivo controle social e o consequente esvaziamento da potência política que esses espaços trazem. Além disso, Matiolli apresentou o CEPEDOCA (Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão) que tem como objetivo transformar as novas representações que o Instituto Raiz e Movimento produz sobre a cidade em ferramentas para a construção de novas histórias.

Encerramento:

O encerramento do evento contou com a participação de Ana Paula de Oliveira (Co-fundadora do Movimento Mães de Manguinhos) e Maria Dalva Corrêa da Silva (Co-fundadora da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência).  Ana Paula é mãe de Johnatha Oliveira de Lima, assassinado por policiais na favela de Manguinhos em 2014 e, Maria Dalva, mãe de Thiago da Costa Corrêa da Silva, executado na favela do Borel em 2003. Ambas contaram suas trajetórias repletas de injustiças, representando muitas outras mulheres negras e moradoras de favela que perderam seus filhos para a guerra às drogas. Em sua contribuição, Ana Paula apresentou um documentário que fala a respeito da morte de seu filho e refletiu sobre como a política de segurança pública e o poder judiciário brasileiro são extremamente racistas e excludentes, já que, a dita guerra às drogas, para a mãe, é apenas mais uma desculpa para exterminar a população pobre e negra. Além disso, falou sobre o papel da mídia de massa nesse processo, onde, segundo Ana Paula, se investiga a vítima, e não o assassino. Maria Dalva, por sua vez, relatou o assassinato de seu filho e três amigos e toda a trajetória percorrida a partir do acontecido. Com isso, Dalva mostrou a forma com que a favela é criminalizada, fazendo com que seus moradores não tenham direito à cidade e, portanto, não tenham direito a um tratamento digno por parte do Estado e, consequentemente, da Polícia Militar. Tudo isso, segundo Maria Dalva, acontece por conta de uma forte desigualdade social e um racismo institucional no país.

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