Os Efeitos da Pandemia no Mercado Internacional de Petróleo: uma Análise das Exportações do Brasil para China no 1º Trimestre de 2020

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Autor: Candido Grinsztejn

Supervisão: Maria Elena Rodriguez

O cenário do mercado mundial de petróleo, caracterizado estruturalmente nos últimos anos pelo baixo ritmo de crescimento da demanda e aumento da produção de vários produtores OPEP e não-OPEP [1], é marcado atualmente pela incerteza. Os dois maiores “drivers” desse cenário de incerteza são: A pandemia da Covid-19 e a “guerra” de preços entre Rússia e Arábia Saudita.

O primeiro implica numa redução significativa da demanda por petróleo e derivados, inicialmente na China, epicentro inicial da pandemia e maior importador de petróleo, mas que vem ganhando abrangência global com a difusão do Corona vírus. A retração da atividade econômica associada aos efeitos que as medidas de limitação da mobilidade têm sobre o setor de transportes, que corresponde a 57% [2] do consumo mundial de petróleo, contribuem para uma forte redução da demanda. A pandemia traz, sobretudo, uma incerteza quanto a sua duração, dificultando previsões acerca da trajetória que a economia mundial seguirá e os seus impactos para o setor petrolífero.

Segundo a Agencia Internacional de Energia [AIE], na China, a pandemia teve como efeito uma redução de cerca de 13% da demanda de petróleo no primeiro trimestre de 2020 se comparado com o do ano anterior, sendo que em março, já com a retomada gradual da atividade econômica e flexibilização das restrições, a AIE estima que a demanda por petróleo chinesa teve queda de cerca de 22% em relação a março de 2019 [3].

Contudo, as importações de petróleo não acompanharam a queda da demanda, pois as firmas de refino de petróleo chinesas, sejam elas estatais ou independentes, tem aproveitado o baixo preço do barril para aumentarem os seus estoques para futuro refino. Dessa forma, as importações chinesas de petróleo chegaram inclusive a aumentar em 4,5% em março de 2020 em comparação com março de 2019 [4].

O segundo “driver” é explicado pelo fracasso da tentativa de um novo acordo entre Rússia e Arábia Saudita (acordo OPEP+) para reduzir a oferta de petróleo, visando manter o preço do barril em meio a progressão pandemia. O fracasso das negociações acabou levando a uma disputa de preços, fazendo despencar o preço do barril de petróleo, em função do aumento da produção saudita. [5].

Apenas em 1993, a China passou a ser um importador líquido de petróleo (“net importer”), em função da sua crescente demanda por petróleo associada à depleção de suas reservas e estagnação da sua produção doméstica de petróleo. Desde então, o país asiático tem se lançado com cada vez mais ímpeto na estratégia de agir junto às suas grandes empresas estatais de energia, buscando acesso e controle de fontes de energia no exterior (“Go Out Policy”). Um dos grandes objetivos por trás de tal estratégia é a construção de uma cadeia global de fornecimento, não só de petróleo, mas de outras commodities, que assegure a oferta para o mercado chinês no futuro.

A dependência chinesa de petróleo importado vem aumentando, de tal forma que, atualmente, cerca de 70% do petróleo consumido na China é importado [6]. Na última década, a China vem buscando uma diversificação dos seus fornecedores de petróleo importado, de forma a reduzir a concentração da origem dessas importações com o objetivo de mitigar efeitos negativos de possíveis interrupções no fluxo por parte de um país exportador.

Nesse contexto, a América do Sul vem nos últimos anos liderando o crescimento dessas importações e o Brasil, em especial vem tendo um papel decisivo. Atualmente, um produtor de petróleo cada vez mais importante [7] e um exportador líquido (“net exporter”) no mercado mundial, o Brasil tem a China como principal destino das suas exportações de petróleo (óleo cru), tendo recentemente se convertido na segunda maior fonte de petróleo importado para o mercado chinês fora da OPEP, atrás apenas da Rússia[8]. Em 2019, o país asiático respondeu por 64%[9] do total das exportações brasileiras de óleo cru, frente a 13%[10] do segundo maior importador de petróleo brasileiro, os EUA. Nos quatro primeiros meses de 2020, a China foi responsável pela compra de 60% do petróleo exportado pela Petrobrás.

Com a quebra do monopólio das empresas estatais sobre a importação de petróleo na China em 2015, as refinarias independentes, concentradas na província de Shandong, passaram a poder processar petróleo importado por meio de cotas de importação [11]. Essas refinarias, que processaram cerca de um terço das importações de petróleo do país no ano passado, ancoraram, em 2019, um aumento nos embarques de petróleo bruto brasileiro, que, em função do seu baixo teor de enxofre, pode ser transformado em diesel de forma mais rentável (maiores lucros no refino). Destaca-se a importância do petróleo proveniente do campo de Lula nesse crescimento das exportações brasileiras para a China [12].

Em comparação com o primeiro trimestre de 2019, no primeiro trimestre de 2020, em meio ao desenrolar da pandemia, ocorreu uma retração de 3,6%[13] das exportações de petróleo brasileiro para a China em termos de valor (US$) e queda de 1,4%[14] em termos de volume. Mesmo sendo o epicentro inicial, a China foi, no primeiro trimestre de 2020, o destino de 54% das exportações de petróleo bruto nacionais[15], mantendo-se de longe como o maior mercado para o petróleo bruto brasileiro, apesar de redução relativa em comparação com o ano anterior como um todo.

No entanto, no mesmo primeiro trimestre de 2020, as exportações totais de petróleo brasileiras cresceram 26% [16] se comparadas com o mesmo período do ano anterior, impulsionadas por um aumento de 18,6% da produção brasileira [17]. Tal fato reflete a ocorrência da queda relativa da demanda chinesa antes do resto do mundo, em função da China ter sido o epicentro inicial da pandemia, porem trata-se de uma retração pequena tendo em vista a magnitude dos efeitos da pandemia. As importações chinesas vêm mantendo resiliência em meio à crise do Covid-19, devido à realização de estocagem por parte das refinarias chinesas, que estão aproveitando o baixo preço do petróleo. O Brasil por ser um dos maiores exportadores de petróleo para o mercado chinês consegue, mesmo sob o atual baixíssimo preço do barril encontrar destino para o seu petróleo.

Contudo, as relações entre Brasil e China no setor petrolífero, vão muito além de um comércio bilateral pautado por complementaridades econômicas. A China é um grande investidor em energia à nível global, sendo líder em aquisição e fusão de empresas do setor de energia no exterior. Esse papel se tornou mais ativo especialmente após a crise de 2008.

Na mesma época, o Brasil precisava, além de compradores para exportar seu petróleo, de parceiros internacionais para investir no seu setor petrolífero em um momento no qual o país começava a aumentar a produção do Pré-sal, que representava na época a fronteira do que se pode chamar de exploração de petróleo convencional, em função da gigantesca profundidade e distancia da costa. O envolvimento em tal desafio exploratório representava uma oportunidade para a China, visto que ela poderia adquirir experiência da exploração e de tecnologia de aguas ultra profundas acumulada pela Petrobrás.

No Brasil, o papel da China de grande investidor em energia se reflete marcadamente na participação da China Petroleum and Chemical Corporation (Sinopec) sozinha ou por meio da Repsol-Sinopec Brasil) e, principalmente, da Petrogal Brasil (empresa subsidiária do grupo português GALP, a qual a Sinopec adquiriu 30% de participação), que se encontra em 3º lugar no que tange o volume de produção, atrás da Petrobrás e Shell [18]

Somadas à Sinopec, destaca-se o papel das empresas Sinochem, HLJW, China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) China Southern Petroleum Exploration and Development Corporation (CNODC) vem buscando aumentar a sua participação na produção de petróleo no Brasil. As duas últimas foram as duas únicas empresas estrangeiras que fizeram ofertas para uma das quatro áreas ofertadas ao mercado no último leilão, em novembro de 2019. As duas empresas chinesas se comprometeram a explorar conjuntamente (consórcio) com a Petrobrás no bloco de Búzios, cabendo 5% a cada uma delas e 90% à empresa brasileira [19].

Além do efeito negativo da queda do valor obtido com as exportações, os baixos preços do barril, implicam na queda da arrecadação e de royalties provenientes do petróleo e incentivam uma redução nos investimentos das firmas petroleiras, especialmente aquelas que atuam em áreas de produção mais difíceis e com cadeia de custos mais elevada, como é o caso da Petrobrás na exploração do Pré-sal. A empresa já anunciou um plano de desinvestimento de 29% para 2020[20], à imagem de outras gigantes do setor que também buscam reduzir custos em meio à crise.

A China assume ainda um terceiro papel no setor de energia à nível global, o de financiador, especialmente através dos seus bancos China Development Bank (CDB) e Export-Import Bank of China (Eximbank). A Petrobrás, que tem a China como destino de 65% [21]das suas exportações, se beneficiou fortemente dos empréstimos concedidos por bancos chineses entre o período de 2007 a 2018. Esses empréstimos foram de extrema importância durante o período agudo da crise da Petrobrás, em 2015, pois eles continuaram ocorrendo em meio à um cenário de escassez de outras fontes de financiamento externo e de preços baixos do petróleo. Estes empréstimos são lastreados/reembolsáveis em petróleo, estando inseridos na lógica de assegurar oferta de petróleo ao mercado chinês no futuro mencionada anteriormente.

A atual crise pela qual passa o mercado mundial de petróleo expõe a vulnerabilidade de países que, ao mesmo tempo, tem no petróleo um dos principais itens da sua pauta de exportação e cuja exploração deste recurso se dá em áreas difíceis e de cadeia de custos elevados, como é o caso do Pré – Sal brasileiro. Contudo, até o dado momento, a Petrobrás tem se mostrado melhor preparada que outras petroleiras latino americanas para enfrentar o conturbado e incerto cenário atual [22], devido a sua robusta capacidade de estocagem e a oportuna estratégia comercial [23] de aumentar a produção de óleo combustível marítimo (bunker), já atendendo as novas especificações da Organização Marítima Internacional quanto ao limite de teor máximo de enxofre que entraram em vigor em janeiro.

Tendo em vista as três dimensões (o comercio bilateral, o investimento e o financiamento) que caracterizam, a cooperação do Brasil com a China num setor tão estratégico como o do petróleo, o Brasil deve desenvolver uma estratégia clara e de longo prazo para que possa se aproveitar da melhor maneira possível esta parceria, olhando para o seu interesse estratégico. Até agora a cooperação no setor de petróleo parece beneficiar muito mais a China, que tem uma estratégia clara para o Brasil, tendo em vista uma visão de longo prazo.


Referências Bibliográficas:

[1] https://infopetro.wordpress.com/2020/03/28/o-mercado-de-petroleo-em-2020-incerteza-volatilidade-e-tentativas-de-adaptacao/

[2], [3](https://www.iea.org/reports/global-energy-review-2020/oil#abstract)

[4] https://epoca.globo.com/economia/entenda-disputa-entre-russia-arabia-saudita-que-esta-por-tras-da-queda-do-petroleo-24294409

[5]https://www.reuters.com/article/us-china-economy-trade-oil/chinas-march-crude-oil-imports-rose-4-5-year-on-year-on-stockpiling-idUSKCN21W06W

[6] British Petroleum Statistical Review, 2018

[7]Energy Outlook 2019, da Agência Internacional de Energia, o Brasil entre os 3 países que darão maior contribuição para a oferta adicional de petróleo a ser produzido até o horizonte 2040, junto com a produção não convencional dos EUA, e a produção do Iraque. Disponível em: https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2019/oil

[8] https://www.eia.gov/todayinenergy/detail.php?id=43216

[9], [10] Dados do Comex Stat

[11]https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-06-27/brazil-bets-storing-oil-near-teapots-will-boost-exports-to-china

[12]https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/06/28/petrobras-reforca-estoque-para-refinarias-independentes-chinesas.htm

[13],[14],[15] Dados do Comex Stat

[16] Elaboração própria a partir de dados do Comex Stat

[17] Elaboração própria a partir de dados do  Painel Dinâmico da Produção de Petróleo e Gás Natural da Agencia Nacional do Petróleo(ANP). Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMTcwZDU1ZGYtY2EzMC00MzhmLTllZjItOGE4NTU1NzA0ZGEwIiwidCI6IjQ0OTlmNGZmLTI0YTYtNGI0Mi1iN2VmLTEyNGFmY2FkYzkxMyJ9

[18]https://www.brasildefato.com.br/2019/12/16/video-or-enquanto-a-petrobras-perde-mercado-brasil-importa-mais-combustivel-dos-eua)

[19]https://valor.globo.com/financas/noticia/2019/11/06/resultado-do-leilao-do-pre-sal-afeta-ibovespa-dolar-sobe.ghtml

[20] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/27/petrobras-se-prepara-para-barril-a-us-25.ghtml

[21]https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/02/20/exportacao-de-petroleo-para-china-segue-normal-diz-diretora-da-petrobras.ghtml

[22]https://www.bloomberg.com/amp/news/articles/2020-04-28/brazil-awaits-china-rescue-on-oil-with-storage-aplenty-on-hand

[23] Segundo o relatório da Petrobrás de produção e vendas do primeiro trimestre de 2020